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Entrevista com Heidegger

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Bion, Wilfred Ruprecht (1897-1979)

médico e psicanalista inglês
Clínico erudito e brilhante, reformador da
psiquiatria militar, grande clínico das psicoses*
e do borderline*, Wilfred Ruprecht Bion foi o
aluno mais turbulento de Melanie Klein*, cujo
dogmatismo rejeitou para construir uma teoria
sofisticada do self e da personalidade, fundada
em um modelo matemático e repleta de noções
originais — pequenos grupos, função alfa, continente/
conteúdo, objetos bizarros, pressupostos
de base, grade etc. — que, em certos aspectos,
se assemelhavam às de Jacques Lacan*,
seu contemporâneo. Como este, tentou dar um
conteúdo formal à transmissão do saber psicanalítico,
apoiando-se em fórmulas e na álgebra,
e, também como ele, apaixonou-se pela linguagem,
pela filosofia e pela lógica, mas com uma
perspectiva nitidamente cognitivista.
Grande viajante, fez escola não só na Grã-
Bretanha* mas também no Brasil*, principalmente
em São Paulo, onde marcou profundamente
seus alunos. Na juventude, teve o privilégio
de ser terapeuta do escritor Samuel
Beckett (1906-1989), com quem se identificou
fortemente. Na França*, teve alguns adeptos,
entre os quais Didier Anzieu e André Green.
Nascido em Muttra, no Pendjab, de mãe indiana
e pai inglês, engenheiro especialista em
irrigação, foi educado por uma ama-de-leite e
passou a infância na Índia*, no fim da era vitoriana
e no apogeu do período colonial. Não sem
humor, diria que todos os membros de sua
família eram “completamente malucos”. Em
sua autobiografia, apresentou sua mãe como
uma mulher fria e aterrorizante, que lhe lembrava
as correntes de ar geladas das capelas
inglesas.
Como todos os filhos da alta administração
colonial, foi enviado com a idade de 8 anos à
Inglaterra, para ser interno em um colégio.
Abandonado pelos seus e isolado em um clima
hostil, prosseguiu seus estudos sonhando com
as paisagens suntuosas do Pendjab e desenvolvendo
uma forte repugnância pelas coisas da
sexualidade*. Só gostava das atividades esportivas
e permaneceu virgem até seu casamento,
aos 40 anos. Em janeiro de 1916, foi incorporado
a um batalhão de blindados e logo estava
no campo de batalha de Cambrai, no meio dos
obuses e do fogo da guerra. Saiu em 1918 com
a patente de capitão, uma sólida experiência da
fraternidade humana e dos artifícios da hierarquia
militar, de que se serviria anos depois.
Na prestigiosa Universidade de Oxford, formou-
se em filosofia e em literatura, sem com
isso abandonar o rugby, mas foi em Poitiers que
terminou seus estudos humanísticos, a fim de
dominar a língua francesa. Tornou-se depois
professor em Bishop’s Stortford, seu antigo
colégio, onde lhe aconteceu uma estranha aventura.
Tendo simpatizado com a mãe de um
aluno, foi acusado por esta de ter desejado
abusar do adolescente e teve que deixar o ensino.
Começou então a fazer estudos médicos,
que concluiu com sucesso.
Bion, Wilfred Ruprecht 69
Depois de um fracasso amoroso, decidiu
fazer uma psicoterapia*, o que o conduziu à
psiquiatria e depois à psicanálise*. Em 1932,
contratado como médico assistente na Tavistock
Clinic de Londres, dirigiu tratamentos de
adolescentes delinqüentes ou atingidos por distúrbios
da personalidade, e ocupou-se durante
cerca de dois anos do tratamento de Samuel
Beckett.
Essa relação terapêutica teve um efeito considerável
no destino de ambos, que, nessa época,
ainda eram iniciantes em suas carreiras.
Tinham em comum uma relação difícil com as
mães. Amigo e admirador de James Joyce
(1882-1941) desde 1928, Beckett se indispusera
com ele dois anos depois, após ter repelido
as pretensões amorosas de sua filha, Lucia
Joyce, doente de esquizofrenia* e tratada por
Carl Gustav Jung*. Atormentado por uma mãe
conformista e abusiva, que desconhecia seu
talento e desaprovava sua conduta, sofria em
1932 de graves distúrbios respiratórios, de dores
de cabeça e de diversos problemas crônicos
ligados ao alcoolismo e a uma tendência para a
vadiagem. Assim, decidira fazer uma psicoterapia,
a conselho de seu amigo, o doutor Geoffrey
Thomson. O tratamento com Bion foi conflituoso
e difícil. A cada vez que Beckett voltava para
a casa de sua mãe em Dublin, sofria de terrores
noturnos, torpor e furúnculos no pescoço e no
ânus. Por isso, Bion acabou recomendando-lhe
que se afastasse dela. Beckett não conseguiu e
interrompeu a análise, depois de ter assistido, a
conselho de Bion, a uma conferência de Jung
na Tavistock Clinic, na qual este afirmava que
os personagens de uma ficção são sempre a
imagem mental do escritor que os criou. Disso
nasceria Murphy, primeiro romance de Beckett.
Em 1937, Bion se integrou efetivamente à
história do freudismo* inglês, ao encontrar John
Rickman*. Membro da British Psychoanalytical
Society (BPS) e analisado por Melanie
Klein, este tornou-se seu analista, iniciou-o nas
teses kleinianas e lhe permitiu certamente, através
desse segundo tratamento, compreender
melhor os seus problemas sexuais. No início da
guerra, Bion casou-se com a atriz Betty Jardine,
que morreria de uma embolia pulmonar algum
tempo depois, quando nasceu sua filha. Posteriormente,
Bion voltaria a se casar.
Mobilizado por ocasião da entrada da Inglaterra
na Segunda Guerra Mundial, participou
com Rickman e outros médicos da reforma da
psiquiatria inglesa, que seria saudada por Lacan
em 1946, e que daria origem à famosa teoria dos
pequenos grupos, inspirada pela experiência de
Maxwell Jones (1907-1990) com as comunidades
terapêuticas.
No hospital militar de Northfield, perto de
Birmingham, onde eram recebidos os pacientes
atingidos por neurose de guerra*, Bion e Rickman
experimentaram o princípio do “grupo
sem líder”, que consistia em organizar em pequenas
células homens julgados inadaptados ou
inúteis. Cada grupo definia o objeto de seu
trabalho sob a orientação de um terapeuta, que
apoiava todos os homens do grupo, sem ocupar
o lugar de um chefe nem o de um pai autoritário.
A experiência produziu resultados, mas foi brutalmente
encerrada porque questionava o próprio
princípio da hierarquia militar.
Em 1945, próximo dos cinqüenta anos, Bion
fez uma terceira análise com Melanie Klein, que
marcaria definitivamente sua orientação. O tratamento
durou oito anos e, desde o começo,
Bion anunciou à sua analista sua recusa a qualquer
idolatria e seu desejo de trabalhar com toda
a independência. Assim, foi um discípulo fiel,
mas nunca submisso. A partir de 1960, começou
a publicar uma série de obras que impressionaram
a comunidade psicanalítica por sua complexidade,
e cujo objetivo era nada menos do
que revisar filosoficamente a obra freudiana (e
sua leitura kleiniana), concebendo um inconsciente*
fundado na linguagem. Baseando-se na
filosofia kantiana, Bion dividiu o aparelho psíquico
em duas funções mentais: a função alfa,
correspondente ao fenômeno, e a função beta
correspondente ao númeno (a coisa em si, a
idéia). Para Bion, a função alfa preservava o
sujeito do estado psicótico, enquanto a função
beta o desprotegia.
A experiência com os pequenos grupos permitiu
a Bion abordar o campo das psicoses, com
a ajuda de diferentes conceitos kleinianos, aos
quais acrescentou os de objetos bizarros (partículas
destacadas do eu*, com vida autônoma)
ou de ideograma (inscrição pré-verbal de um
pensamento primitivo). Aliás, tomando de Paul
Schilder* a noção de imagem do corpo*, desen-
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volveu a idéia segundo a qual os grupos e os
indivíduos seriam compostos de um continente
e de um conteúdo. Se, para um dado indivíduo,
o grupo funciona como um continente, cada
indivíduo tem também em si mesmo um conteúdo,
ou pressuposto de base, que determina
suas emoções. Quanto à personalidade psicótica,
esta é um componente normal do eu. Ora ela
destrói o eu, impedindo toda forma de acesso à
simbolização, ora, ao contrário, coexiste com
outros aspectos do eu, sem se tornar um agente
de destruição. Bion construiu também um modelo
de tratamento, ao qual deu o nome de grade.
Composta de um eixo vertical de oito letras
(de A a H), conotando o grau de complexidade
do enunciado, e um eixo horizontal de seis algarismos
(de 1 a 6), representando a relação transferencial,
a grade deveria permitir ao mesmo
tempo auxiliar o clínico em sua escuta e dar uma
base dita “científica” à prática da psicanálise.
Recusando-se, depois da morte de Melanie,
a transgredir sua doutrina do “grupo sem líder”
e a se tornar chefe da escola kleiniana, Bion
preferiu instalar-se na Califórnia. A partir de
1968, viveu em Los Angeles e fez muitas viagens
ao Brasil e à Argentina*, onde o impacto
de seu ensino, de sua doutrina e de sua técnica
psicanalíticas teve grande importância na difusão
do que não se tardou a considerar como um
neokleinismo (ou pós-kleinismo). A obra de
Bion foi então traduzida em muitas línguas.
No fim da vida, depois de se tornar célebre,
voltou à Inglaterra, onde morreu de leucemia.
• Wilfred Ruprecht Bion, Experiências com grupos
(Londres, 1961), Rio de Janeiro, Imago, 1991; O aprender
com a experiência (Londres, 1962), Rio de Janeiro,
Imago, 1991; Elementos em psicanálise (Londres,
1963), Rio de Janeiro, Imago, 1991; Transformações
(Londres, 1965), Rio de Janeiro, Imago, 1991; Atenção
e interpretação (Londres, 1970), Rio de Janeiro Imago,
1991; Conversando com Bion, Rio de Janeiro, Imago,
1992; Uma memória do futuro II: o passado apresentado,
Rio de Janeiro, Imago, 1996 • Gérard Bléandonu,
Les Communautés thérapeutiques, Paris, Scarabée,
1970; Wilfred R. Bion: a vida e a obra (Paris, 1990), Rio
de Janeiro, Imago, 1993; L’École de Melanie Klein,
Paris, Le Centurion, 1985 • R.D. Hinshelwood, Dicionário
do pensamento kleiniano (1989), P. Alegre, Artes
Médicas, 1992 • Jacques Lacan, “La Psychiatrie anglaise
et la guerre”, L’Évolution Psychiatrique, 1, 1947,
293-312 • Didier Anzieu, “Beckett et Bion”, Revue
Française de Psychanalyse, Paris, Mentha, 1992 •
Deirdre Bair, Samuel Beckett (N. York, 1978), Paris,
Fayard, 1979.
➢ ANTIPSIQUIATRIA; BASAGLIA, FRANCO; BURROW,
TRIGANT; ESQUIZOFRENIA; KLEINISMO; KOHUT,
HEINZ; MATEMA; NÓ BORROMEANO; PSICOTERAPIA
INSTITUCIONAL; TRANSFERÊNCIA.